Sob o doce da cana, tem muito suor amargo. Muito trabalho e pouco descanso. Muita necessidade e pouco reconhecimento. O corte manual é pesado, repetitivo e feito por um contingente superior a 300 mil brasileiros, 2 mil deles moradores do Oeste Paulista, conforme os dados mais recentes da Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados e Assalariadas Rurais (Contar). É a céu aberto, no calor, entre a poeira e a fuligem. A prova não é de velocidade, mas de resistência. Os dias se perdem em meio às longas jornadas de trabalho. E os sonhos? São cortados por um facão, pela raiz.
O Dia do Cortador de Cana-de-açúcar é lembrado neste domingo, 16 de janeiro. Um trabalho, que durante muitos anos, ocorreu de forma exploratória. Mas, com o passar dos tempos e com a luta de quem o exerce, foram efetivadas conquistas que garantem dignidade e mais qualidade de vida a estes profissionais, que trabalham na base da fabricação de açúcar e etanol.
A data, que lembra a profissão, é uma oportunidade para que as pessoas possam conhecer e valorizar a fundamental atividade. Porém, não haverá comemoração. Amanhã será mais um dia de trabalho.
Tudo começa ali. Na força. No braço. Na luta. O açúcar comprado em supermercados, a cachaça consumida no bar, a cerveja do fim de semana, o etanol que movimenta os carros para todos os lugares.
Para isso, alguém, com família, filhos e sonhos, trabalhou muito e por muito tempo, para que todas essas e outras centenas de coisas chegassem aos seus devidos lugares. Para isso, alguém que se locomove a pé, que não tem tempo para tomar uma “gelada” e que possui recursos financeiros limitados para utilizar nos supermercados, passou horas de um e de vários dias se expondo ao sol, à luta e à necessidade.
Neste domingo (16) é lembrado o Dia do Cortador de Cana-de-açúcar, atividade que reúne mais de 300 mil trabalhadores no Brasil, segundo a Contar — Foto: Cedida
Necessidade essa que uniu ainda mais pai e filho. Primeiro foi José Batista de Azevedo, de 41 anos, que deixou a Bahia em busca de trabalho. Passou por Goiás, onde atuou no corte de cana-de-açúcar por seis anos, e depois seguiu para Martinópolis (SP), cidade onde continua exercendo o trabalho há dois anos, na região oeste do Estado de São Paulo.
Cássio Amorim de Azevedo, de 19 anos, veio depois e seguiu os passos do pai. Há 11 meses ele trabalha no ramo canavieiro, também em Martinópolis.
Ao g1, pai e filho contaram como é a rotina de trabalho.
Eles saem de suas casas às 6h e dão início ao trabalho às 7h. Os dois trabalham em uma usina de açúcar e álcool do município. Eles vão até lá de ônibus. O transporte não tem custo.
Os dias de serviço nem sempre são os mesmos, variam de acordo com a necessidade do setor.
José Batista explicou ao g1 que, além do corte, também trabalham com o plantio e com a capinagem nos canaviais.
“No momento, estamos na fase da capinagem, para depois começar o plantio. A gente trabalha das 7h às 15h20, com três pausas por dia. Das 8h45 às 9h, aí temos uma hora de almoço e depois paramos novamente das 14h às 14h15. Diariamente dá sete horas de serviço”, contou.
A comida do almoço é levada de casa e lá não tem onde esquentar a marmita.
José Batista de Azevedo, trabalhador do setor canavieiro e pai de Cássio — Foto: Cedida/José Batista de Azevedo
Cássio falou ao g1 que, no corte da cana, o pagamento é feito de acordo com a produção. Esses trabalhadores não recebem um salário referente à quantidade de horas de trabalho no canavial, mas à quantidade de cana cortada. Já nos períodos de plantio e de capinagem, eles recebem pelo dia trabalhado.
Os salários também variam de acordo com o trabalho. Quando os trabalhadores recebem de acordo com o que produzem, têm em em média uma renda mensal de R$ 2,5 mil. Quando ganham por diária, o valor é menor e gira em torno de R$ 1,5 mil por mês.
“No corte, a gente ganha conforme a gente trabalha, a gente trabalha por produção, aí o que a gente fizer é da gente. As outras coisas nós recebemos pelo dia que trabalhamos. É um trabalho cansativo, mas dentro da realidade. A gente trabalha por necessidade, para poder ter dinheiro para pagar as contas”, disse.
Durante o trabalho, cada um deles chega a cortar 2.500 metros lineares de cana-de-açúcar por dia.
Pai e filho encontraram no setor canavieiro uma alternativa de fonte de renda.
“Não é o que eu gostaria de estar fazendo no momento, isso é uma alternativa que eu encontrei para ter uma renda. A gente não vive uma vida tranquila, a gente vive no limite, porque as condições de trabalho são puxadas e a gente não ganha bem”, disse ao g1 José Batista.
Apesar de o trabalho não ser exatamente aquele com o qual eles sonharam, ter a companhia um do outro ajuda na rotina exaustiva.
“É gratificante ver ele trabalhando comigo. Graças a Deus, ele não tomou o caminho errado. Foi bem criado, é muito gratificante ver ele trabalhando, principalmente pela idade dele, pois têm muitos que não conseguem um trabalho para se manter e preferem optar por outro lado, é uma renda de trabalho para ele, para ele se manter, para o custo de vida dele também”, ressaltou o pai.
Cássio Amorim de Azevedo, trabalhador do setor canavieiro e filho de José Batista — Foto: Cedida/Cássio Amorim de Azevedo
José Batista ainda relembrou ao g1 seu grande sonho como profissional, que era se tornar um jogador de futebol.
“Sonhava em ser jogador de futebol, cheguei a fazer teste, passei, mas, por problemas pessoais, não pude continuar. O meu sonho não era ser um cortador de cana e, sim, um jogador de futebol”, pontuou.
Apesar dos sonhos interrompidos e da cansativa rotina de trabalho, pai e filho continuam lutando diariamente para viver, ou melhor, sobreviver com o trabalho que exercem.
O esforço diário é a realidade de mais de 300 mil brasileiros. A informação é da Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados e Assalariadas Rurais.
A Contar informou ao g1 que o número foi obtido por meio do levantamento mais recente da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Em dezembro de 2020, conforme a Relação Anual de Informações Sociais (Rais), o Brasil contabilizava 105.128 trabalhadores no setor canavieiro. Já o Estado de São Paulo era composto por 54.432 desses profissionais. Na região de Presidente Prudente (SP), que fica no Oeste Paulista, o número de trabalhadores era de 2.128.
No primeiro trimestre de 2021, conforme levantamento da PNAD, foram contabilizados 316 mil trabalhadores no setor canavieiro no Brasil e 82 mil no Estado de São Paulo. Esses números são referentes a trabalhadores formais e informais.
De acordo com a Contar, o trabalho na cana é dividido por safras e no Centro-Sul, geralmente, a safra ocorre no primeiro semestre, enquanto no Nordeste é no segundo semestre.
“Então, essa variação entre dezembro e o primeiro trimestre de 2021 é normal, é um período em que há uma concentração maior de trabalhadores”, explicou a entidade ao g1.