Após traumas inimagináveis e graves ferimentos, um filhote de onça-parda (Puma concolor) se recupera em meio a muito carinho e cuidados. Acolhida há 20 dias no Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) instalado no Parque Ecológico da Cidade da Criança, em Presidente Prudente (SP), a bebê, batizada com o nome de Nala, não poderá voltar à natureza devido a más formações no corpo e os profissionais estudam como promover um futuro feliz para a pequenina, que pertence a uma espécie considerada vulnerável e ameaçada de extinção.
Agora com aproximadamente 60 dias de vida, Nala foi encaminhada bem novinha e debilitada ao complexo, segundo lembrou a médica veterinária Erica Silva Pellosi. O felino foi levado já operado a Presidente Prudente de outro local, uma clínica particular, e ainda está em um processo de recuperação.
Exames foram realizados durante os dias de cuidados no Cetas e detectaram outras deformidades, provavelmente congênitas, na conformação da fêmea. “É um animal que apresenta as perninhas de trás um pouquinho tortas”, contou Erica.
Além disso, há a patinha da frente operada, que vai ficar com alguns tipos de sequelas, conforme explicou a veterinária. “Então, ela é um animal que requer um tratamento especial, tanto de adaptação ao novo ambiente como de cuidados com essas lesões”, afirmou ao g1.
Nala está se adaptando bem, principalmente às pessoas, e conforme ela for crescendo será alterado o seu manejo.
“Ela ainda está sendo amamentada. Logo a gente vai introduzir o manejo alimentar dela intercalando alimentação com as mamadeiras. Vamos entrar também com a fisioterapia nesses membros para ver se a gente consegue melhorar um pouco essa conformação dela, e ir acompanhando toda essa lesão e esses traumas que ela sofreu no decorrer do tempo”, explicou ao g1 a médica veterinária.
Filhote de onça-parda, Nala recebe cuidados e se recupera no Cetas, instalado em Presidente Prudente (SP) — Foto: Stephanie Fonseca/g1
O filhote foi resgatado com uma grave fratura e desnutrido em um canavial, na zona rural de Junqueirópolis (SP), no dia 29 de novembro. A Polícia Militar Ambiental informou que trabalhadores encontraram a fêmea sozinha nas proximidades de uma usina canavieira.
A polícia relatou que o animal estava machucado, tinha um pequeno corte e não conseguia mexer uma das patas. Imediatamente, o felino foi levado para uma clínica veterinária particular.
“A gente só cria hipóteses, mas provavelmente ela foi um animal que a mãe pode até ter abandonado justamente por conta dessas deformidades que ela tem, provavelmente deformidades congênitas, e ela acabou sofrendo um ferimento grave ou por um ataque de animal ou por um atropelamento ou por uma queda, por ser um animal ainda muito bebê. A gente não consegue imaginar o que gerou uma fratura tão grande nesse bracinho da frente dela”, declarou Erica ao g1.
Essas lesões provavelmente vão deixar alguma sequela, segundo comentou a veterinária, e isso impossibilita muito a reintrodução desse animal na natureza.
“Ela não vai ter os movimentos completos, como seriam necessários para um animal ser reintroduzido [na natureza]. E todo o prognóstico depende muito também, não só dos nossos esforços, mas da resposta dela aos nossos de tratamentos. Ainda é muito cedo pra gente falar como é que esse animal vai ficar”, afirmou.
Filhote de onça-parda, Nala recebe cuidados e se recupera no Cetas, instalado em Presidente Prudente (SP) — Foto: Stephanie Fonseca/g1
Também está sendo avaliado pela equipe, mas há suspeita de que o filhote tenha ainda um problema de visão.
Diante da iminente possibilidade de não reinserção na natureza, outra situação que deve ser verificada é onde esse animal vai permanecer.
“Está sendo estudado dentro das possibilidades que a gente tem, das condições que a gente tem, a gente está tentando ver se consegue realmente adaptá-la a ficar aqui [no Parque Ecológico da Cidade da Criança]. Mas, se for melhor pra ela, ela vai ser encaminhada pra outro lugar”, disse Erica ao g1.
Filhote de onça-parda, Nala recebe cuidados e se recupera no Cetas, instalado em Presidente Prudente (SP) — Foto: Stephanie Fonseca/g1
Mas, enquanto essas questões são avaliadas, os cuidados e os carinhos não param.
“É bem satisfatório! É um desafio, porque é um animal que está requerendo bastante cuidado, então, bastante estudo. É realmente um desafio, mas é bem gratificante a gente acompanhar esse crescimento, acompanhar esse animal chegar à fase adulta”, salientou a veterinária.
Filhote de onça-parda, Nala recebe cuidados e se recupera no Cetas, instalado em Presidente Prudente (SP) — Foto: Stephanie Fonseca/g1
O biólogo e gestor ambiental Helder Telles Stapait também comentou que o felino provavelmente foi abandonado pela mãe por conta de sua má formação. Não há certezas sobre o que houve, mas Nala estava machucada, e isso também prejudicou bastante o filhote, que tem uma lesão muito grave, que precisou de cirurgia para correção dos danos causados.
“Ela vai precisar de muito trabalho de enriquecimento ambiental, precisar de muita fisioterapia, pois os seus movimentos não são executados de maneira apropriada para que ela consiga ter uma vida mais próxima do normal, podemos assim dizer. Então, vai ser bastante delicado o caso dela”, explicou o biólogo ao g1.
Ao ser bem tratada, bem como estar acostumada e adaptada ao local onde está inserida agora, também considerando o vínculo com a profissional envolvida em sua recuperação, Nala já vai criando um vínculo muito grande, o que a ajuda na realização de atividades.
“O animal vai se sentir à vontade com aquela profissional, pois, através de contato e repetição, o animal acaba se acostumando àquela pessoa, então, fica mais fácil, mais prático realizar essas atividades e assim fazer com que ela tenha um desenvolvimento, um crescimento da melhor maneira possível”, esclareceu.
Filhote de onça-parda, Nala recebe cuidados e se recupera no Cetas, instalado em Presidente Prudente (SP) — Foto: Stephanie Fonseca/g1
As condições de Nala a afastam do habitat, mas, em geral, “com muito trabalho e muito esforço”, um filhote poderia ser reinserido na natureza, conforme comentou ao g1 Stapait.
“Um filhote sem nenhum problema, sem má formação ou qualquer outra característica que o impeça de se desenvolver normalmente, com muito esforço, com trabalho de enriquecimento ambiental, com trabalhos de indução pra que ele aprenda a caçar sozinho, são atividades onde simulam que seu alimento está vivo pra despertar o seu instinto predador e ele consiga obter seu alimento sem qualquer artifício, sem qualquer outra ajuda externa, conseguiria se adaptar para um ambiente selvagem”, explicou.
Todas essas atividades ativam os instintos que o animal precisa para conseguir obter seu alimento através da caça. Esses exercícios também demandam um recinto grande, “pois os felinos de grande porte precisam de muito espaço”. “Eles têm ali seu território onde eles o tomam para seu, onde realizam diversas caminhadas, fazem reconhecimento dessas áreas”, contou.
“Mas, sim, é possível reintroduzi-lo com muita atividade para que se desenvolva, o seu corpo se desenvolva de maneira correta, pra que ele tenha uma forte musculatura, que suas articulações se desenvolvam bem e, assim, ser reintroduzido em seu ambiente natural”, esclareceu o biólogo.
Cetas foi instalado no Hospital Veterinário da Cidade da Criança, em Presidente Prudente (SP) — Foto: Stephanie Fonseca/G1
Ter a estrutura do Centro de Triagem de Animais Silvestres, o Cetas, com funcionamento recente em Presidente Prudente, foi essencial para abrigar Nala.
“Com certeza, os Cetas são de extrema importância, pois eles fornecem a estrutura necessária para abrigar animais como a Nala, vindos de um possível abandono, um ataque ou um possível acidente, onde ela tem uma estrutura e profissionais capacitados para auxiliarem em sua recuperação e, em outros casos, sua recuperação e adaptação para uma possível soltura”, frisou o biólogo ao g1.
Outra situação considerada por Stapait é a de que esses centros podem realizar trabalhos e projetos de educação ambiental.
“As pessoas têm muito preconceito com esse tipo de animal, então, esses centros também servem como uma base de ensino, onde eles conseguem relacionar o quão importante é a preservação de um predador de topo, como a Nala, que é uma onça-parda, a Puma concolor”, argumentou.
O predador de topo é fundamental para a manutenção do equilíbrio ecológico de uma região, segundo explicou o biólogo.
“Sem o predador de topo, os outros animais das bases acabam ficando descontrolados, acabam se reproduzindo de uma maneira descontrolada, o que pode afetar o ambiente de diversas formas, inclusive, a economia local”, disse. “Ele controla essa população e não deixa o ambiente ficar desequilibrado”, finalizou.
Fêmea de onça-parda foi resgatada com fratura na pata e precisou passar por cirurgia — Foto: Carlos Volpi/TV Fronteira
Também conhecida como suçuarana, puma, onça-vermelha e leão-baio, a onça-parda (Puma concolor) é a segunda maior espécie de felino do Brasil, só ficando atrás da onça-pintada (Panthera onca). Tem corpo alongado, com até 1,08 metro de comprimento. A cauda longa mede até 61 centímetros e a altura é de 63 centímetros.
O macho adulto pode pesar por volta de 70 quilos. A pelagem da suçuarana tem coloração uniforme, variando entre marrom-acinzentado bem claro e marrom-avermelhado escuro. Geralmente os animais que vivem em florestas são menores e mais escuros e os que habitam regiões montanhosas são maiores e mais claros.
Possuem hábitos noturnos (predominantemente) e diurnos, caçam a qualquer hora do dia com certa tendência ao horário de crepúsculo.
Embora seja uma espécie terrestre, possui muita habilidade para subir em árvores e é muito ágil. A suçuarana vive solitária, menos na época de acasalamento.
Pesquisas comprovaram que a suçuarana é o predador mais eficiente e mais flexível entre os felinos. Ela consegue alimento em 75% das vezes em que parte para o ataque.
A alimentação inclui desde pequenos roedores até mamíferos de grande porte (capivaras, veados e catetos), aves e répteis.
O período de gestação varia entre 84 e 98 dias, e nascem de um a seis filhotes, cada um com 220 a 440 gramas de peso.
A espécie é considerada vulnerável e ameaçada de extinção.