O conflito entre a Rússia e a Ucrânia, geograficamente, está distante do Brasil. Mas, para os familiares e amigos do brasileiro Rodolfo Cunha Cordeiro, a distância não alivia a tensão e a preocupação com a falta de notícias do rapaz. Nascido em Presidente Prudente (SP), ele se juntou, em 2014, a rebeldes separatistas de origem russa e aderiu à luta armada contra a Ucrânia. Desde então, ele não voltou à terra natal e sua última localização era o território russo.
Cordeiro é conhecido pelo apelido de “Rodolfo MacGyver”. Um de seus amigos, que prefere não ser identificado, afirmou ao g1 que o conheceu em 2012, quando ele levava uma “vida normal” em Presidente Prudente. “Ele trabalhava como entregador numa pizzaria, gostava de andar de moto”, contou.
Porém, ele já demonstrava interesse por assunto bélicos. “Ele sempre foi ligado aos assuntos bélicos, gostava de armamento, de coisas militares, tanques de guerra, coisa que para a gente, aqui em Presidente Prudente, é surreal”, falou.
Em 2014, quando Cordeiro era estudante do curso universitário de direito, ele decidiu deixar a cidade no interior do Estado de São Paulo e partir para a Rússia.
“Quando teve o movimento separatista da Crimeia, em 2014, em dezembro, no final do ano, pouco antes do Natal, ele foi para lá. Eu fiquei surpreso, perguntei se ele teria coragem mesmo, perguntei quando ele voltaria, e ele disse que não sabia”, afirmou o amigo.
Desde então, o combatente nunca mais voltou para a cidade natal ou para o Brasil. O contato entre os dois é pela internet.
“A gente conversa pelas redes sociais. Eu pergunto como é lá, se tem churrasco, o que se come, como que vive. Mas ele nunca foi de conversar muito, não fica especificando muito as coisas. Porém, ele contou que morava em Moscou, que trabalhava na área militar”, frisou.
A última vez em que trocaram mensagens foi no último dia 16 de fevereiro, quando Rodolfo respondeu que estava com poucas internet e bateria no celular. “Ele respondeu que estava tranquilo por lá e que estava na Rússia, em treinamento, em Moscou”, disse.
Na última segunda-feira (21), o amigo voltou a enviar a Rodolfo mensagens pelo WhatsApp, que nem chegaram para o destinatário. “Perguntei o que ele estava fazendo e, desde então, fiquei sem resposta”, lamentou.
A falta de notícias gera preocupação.
“Eu acho que é por conta dos locais pelos quais ele está passando, ou até mesmo por segurança, pode até ter tido o corte da internet. Essa falta de notícias deixa aquela luz amarela acesa, de atenção. A gente está acostumado com calmaria, tranquilidade, e, diante da falta de notícias da pessoa, de comunicação, a gente fica pensando no que pode estar acontecendo”, destacou o amigo.
Até ter notícias de Cordeiro, fica a angústia.
“Eu me preocupo com ele. É um prudentino, um amigo da gente, um conhecido de longa data que vive um momento de tensão, num país que vive essa instabilidade de segurança, com bombardeios. É um clima que a gente não está acostumado. Isso traz preocupação com a vida dele”, enfatizou.
O g1 tentou contato com a família de Cordeiro, que ainda vive em Presidente Prudente. Os familiares apenas disseram que “estão muito preocupados com ele”.
‘Vim fazer o que acho justo’, diz brasileiro — Foto: Arquivo pessoal/ BBC
Em 2018, Cordeiro contou sua história em entrevista à BBC News Brasil. Na ocasião, fazia quatro anos que ele estava fora do país.
Ele abandou o curso de direito em Presidente Prudente, vendeu sua moto e comprou uma passagem somente de ida para a Rússia. Cordeiro deixou a casa no Conjunto Habitacional Ana Jacinta, onde morava junto com os pais e os irmãos, na cidade que fica no interior do Estado de São Paulo.
Na época da entrevista, ele morava na região de Donetsk, no leste ucraniano, e aderiu à luta armada junto a forças separatistas de origem russa que ocuparam territórios, órgãos públicos locais e autoproclamaram um Estado independente da Ucrânia – que, por sua vez, não reconhece a insurgência e contra-ataca o que chama de investida terrorista.
Seu testemunho revelou uma vida solitária em busca de reconhecimento e o que ele chama de “aventura” e “desafio”. Ele disse ter se deslocado para a área para defender o “povo russófono de nazistas ucranianos”.
A menção aos nazistas ecoa uma narrativa presente na propaganda oficial russa sobre a Ucrânia – que nega enfaticamente a existência desses grupos dentro de seu governo.
Visto como “terrorista” e “ameaça à segurança nacional” por soldados do governo ucraniano, o brasileiro se mostrava seguro e tranquilo.
“Eu não tenho medo, não. Não tenho cidadania ucraniana, nunca estive em território ucraniano. Sou um simples combatente da República Popular de Donetsk”, disse, em referência à “nação” autoproclamada pelos separatistas.
“Se eu for ferido e houver a possibilidade de ser pego pelo Exército, eles podem me capturar, mas não vão me levar. Se vir que não tem jeito, eu me mato, mas não me rendo”, anunciou Cordeiro com voz sempre calma, em um momento de pausa entre treinamentos militares.
Com apoio do serviço ucraniano da BBC, a reportagem confirmou a identidade do brasileiro e sua presença na região. Nome, fotos e informações pessoais de Cordeiro apareceram em bases de dados sobre rebeldes elaboradas com possível cooperação do Serviço Secreto ucraniano. Os registros também mostraram entradas do combatente brasileiro em hospitais russos.
Os dados levantados pelos ucranianos reafirmam que o brasileiro chegou ao país em 2014 e lutou contra forças militares do governo como franco-atirador, em uma brigada motorizada de fuzileiros. A checagem de informações na área ocupada pelos rebeldes é dificultada pela proibição da atuação de jornalistas independentes.
A presença de Cordeiro na Ucrânia indica que o brasileiro teria entrado ilegalmente em território ucraniano, já que há rigoroso controle na fronteira com a Rússia.
Entre outras condecorações, Cordeiro chegou a receber uma medalha especial por “méritos de luta” de milícias armadas autointituladas Todo-Poderoso Exército do Don e do Exército Cossaco.
Fascinado desde a infância por forças de segurança e armas (“dizem que é perigoso, mas é assim que me realizo”), Cordeiro conta que não serviu o Exército brasileiro, mas chegou a trabalhar como segurança particular após frequentar cursos privados de “segurança VIP”, “segurança de carros fortes” e “escolta armada”.
Em 2014, por meio de grupos no Facebook, começou a se comunicar com brasileiros e estrangeiros que se organizavam para lutar como voluntários ao lado dos separatistas pró-Rússia na fronteira da Ucrânia.
“Comecei ver muita coisa na internet. Existiam grupos internacionalistas que estavam indo ao Donbass (onde fica Donestk) em solidariedade”, explicou Cordeiro, que aprendeu os caminhos para a zona de guerra e decidiu viajar sozinho.
Ele conta que já pensava em ir à Rússia para estudar o idioma local, “talvez em Moscou ou São Petersburgo”.
“Sempre gostei dos costumes, do idioma, sempre fui fascinado pela história da União Soviética, de Stalin, Lênin”, disse. “Quando vi a situação aqui e vi que havia muitos voluntários estrangeiros, eu pensei: ‘Pô, eu vou ajudar também e prestar minha solidariedade'”.
Ele disse que perdeu amigos e colegas rebeldes, sejam mortos ou presos, como o brasileiro Rafael Marques Lusvarghi, detido no início de 2018 pelas forças de segurança da Ucrânia.
“Esse era muito louco”, disse, em referência a Lusvarghi, que entre 2014 e 2015 foi visto como uma espécie de “garoto propaganda” das forças rebeldes na região, já que falava português, inglês e russo fluentes.
Atualmente, Lusvarghi cumpre pena por tráfico de drogas na Penitenciária de Tupi Paulista (SP). Ele foi preso pela Polícia Militar, em Presidente Prudente, em maio do ano passado, com 25 quilos de maconha, uma porção de substância similar à cocaína e 350 munições de calibre 9mm.
Fazia cerca de um mês que ele tinha saído de Kiev, na Ucrânia, e desembarcado no Brasil. Lusvarghi decidiu seguir para Presidente Prudente “à procura de emprego, por indicação de um amigo”.
Brasileiro Rafael Lusvarghi lutou com as tropas separatistas pró-Rússia em 2014 e 2015 contra a Ucrânia. De volta ao Brasil, ele foi preso pela PM acusado de tráfico de drogas e posse ilegal de munições de arma de fogo. Foi condenado a 8 anos de prisão pela Justiça paulista — Foto: Reprodução/Divulgação e PM